Conilon especial na xícara |
Corpo elevado; acidez; características de cacau,
frutas vermelhas e amarelas
Na
Specialty Coffee Association of America (
SCAA), uma das principais feiras de
café do mundo, a espécie
arábica sempre reinou soberana. Neste ano, no entanto, um
robusta tímido brilhou no estande montado por uma delegação do
Espírito Santo em
Portland, nos
Estados Unidos. Após degustações com participantes do evento, o conilon da cidade de
Santa Teresa ganhou corpo e destaque e foi escolhido, entre outras 20 amostras, para compor um
blend de
café especial, o primeiro na história do
grão capixaba.
O produto do
cafeicultor Luís Carlos da Silva Gomes foi arrematado por quem entende de cafés de qualidade. O empresário
Henrique Cambraia, dono da
torrefadora mineira Santo Antonio Estate Coffee, faz parte da
Associação Brasileira de Cafés Especiais (
Brazil Specialty Coffee Association, ou
BSCA) e comprou 20 sacas de
conilon cereja descascado para misturar com o arábica de sua produção.
O blend,
lançado neste mês de junho,
indica o início de um novo status para a planta,
antes discriminada.
Os produtores estão investindo na construção de estufas para a secagem dos grãos
O reconhecimento reflete o momento da cafeicultura no Espírito Santo. O conilon completa 100 anos de existência no Estado em 2012, mas apenas 40 anos de cultivo comercial. Em 1965, devido à elevada produção mundial, originando uma oferta que superava a demanda, 53% do parque cafeeiro foi erradicado. Na década de 1970, o grão voltou e a meta era aumentar a produção.
O pobre conilon
era tido até como veneno na época.
Desestimulados, os produtores não tinham para quem vender. A virada veio com a instalação de uma fábrica de
café solúvel, a
Realcafé, quando seus representantes disseram: “Podem produzir que nós compramos”. O grão estava no jogo novamente.
EVOLUÇÃO
Neste ano, a
safra deve chegar a 9,3 milhões de
sacas, o que representa 76% do conilon colhido no país.
“Se continuarmos nesse ritmo,
vamos chegar a 18 milhões de sacas em sete anos”,
afirma o
secretário de Agricultura,
EnioBergoli. O produto é exportado para 26 países, entre eles
EUA,
México,
Alemanha,
Bélgica,
Holanda e
Argentina. A saca está sendo comercializada a R$ 240 e somente o conilon é responsável por 30% da renda rural capixaba.
“Nosso café evoluiu”, comemora o
pesquisador Romário Gava Ferrão, coordenador estadual do
Programa de Cafeicultura. De 1993 até agora, o
Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (
Incaper) já desenvolveu seis variedades e no próximo ano deve lançar mais três. As plantas, mais resistentes à seca e produtivas, ajudaram a impulsionar o
cultivo e neste novo passo resultam em frutos que proporcionam uma
bebida melhor. “A busca é por materiais com maior quantidade de
açúcares e menor teor de amargor”, explica.
Os cafés cereja passam pelo descascamento na propriedade de Luis Carlos Gomes, em Santa Teresa
O crescimento inspira produtores a iniciar a segunda fase do conilon. O foco agora é aumentar a produtividade, mas de olho na qualidade. Estimulados pelos pesquisadores, alguns deles estão melhorando o manejo das plantas, renovando o cafezal e, em consequência, alcançando até 100 sacas por hectare, enquanto a média do Estado é de 30 sacas por hectare. Cerca de 50% das lavouras já foram renovadas e o ritmo de substituições é entre 7% e 8% ao ano.
Na propriedade de Luís Carlos, as pesquisas estão sendo colocadas em prática e estão rendendo mais que a escolha do grão para compor o blend inédito de café especial com conilon. Há três anos, ele animou mais dois amigos cafeicultores, Sérgio Soares da Silva e Marcelo Cortelette, a investir na produção de qualidade. No início, foram chamados de malucos. “Os colegas da região diziam: ‘Não vale a pena fazer melhor, porque o mercado não está pagando’. E nós retrucávamos: ‘Não, paga sim’.” A valorização veio.
A saca do conilon cereja descascado – o descascamento ainda é um processo adotado por poucos, mas que está ganhando espaço, visto que agrega valor ao produto final – vale, em média, 20% mais que a do grão comum.
A renovação dos cafezais movimenta a unidade de mudas da Cooabriel, em São Gabriel da Palha
Luís herdou o gosto pelo café – e a lavoura – do sogro,
Laurindo Bridi, que já não cuida do trabalho na fazenda, mas admira o caminho que o genro está trilhando. O cuidado com a produção destaca o café cultivado na propriedade, que no total soma 223 hectares. “A gente percebeu que o mercado estava buscando qualidade. O consumo está aumentando”, conta, já planejando uma
denominação de origem para o café produzido na região. “Nossa ideia é tornar o grão conhecido como sendo dos
Vales da Serra de Santa Teresa”.
MICROLOTE
Cheio de planos, ele deseja criar um microlote de conilon e quer vender a preço de
arábica gourmet, cerca de R$ 600. “Quando a gente pensa, tem de ser grande”, brinca. No próximo ano, vai iniciar a
colheita seletiva em busca de grãos com
peneira acima de 15, quando o mais comum na produção de conilon é peneira 13.
O novo foco une toda a cadeia do fruto no Estado. As cooperativas também estão empenhadas em remunerar melhor, porque sabem do investimento do produtor. “Precisamos diferenciar nosso conilon, agregar valor. Esse movimento está apenas começando, e nós temos a vantagem de sair na frente”, diz
Daniel Piazzini, da
Cooperativa Agropecuária Centro Serrana (
Coopeavi). A associação reúne os cafés dos produtores da região e comercializa em mercados que estão buscando o diferencial. “Fechamos um negócio de 2.560 sacas para a Rússia em maio. O elo está se fortalecendo cada vez mais”, comemora.
Diferença notável: à esquerda, um conilon especial; à direita, o conilon comum
O produto exportado para a
Rússia passou pelo laboratório de provas
CoffeeQualityInstitute (
CQI), entidade americana que instalou o espaço, em parceria com a empresa
Conilon Brasil, na capital,
Vitória. Criado há apenas três anos, o lugar, onde também são realizados cursos para os profissionais da área, é o primeiro da
América Latina especializado na classificação de cafés conilon, tamanha a dimensão que o grão está tomando no mercado. Técnicos do laboratório participaram de diversos treinamentos e desenvolveram um padrão de bebida mundial para cafés robusta. O modelo, além do Brasil, tem sido utilizado por países consumidores como EUA,
Japão,
Coreia do Sul, países europeus e ainda pelos produtores
Índia,
Uganda e
Indonésia. “É uma ferramenta tanto para o comerciante quanto para o produtor”, diz o gerente de marketing da
Conilon Brasil,
Arthur Fiorott.
O padrão não só avalia a bebida, com degustação das amostras enviadas pelos produtores, por meio das prefeituras, mas também as boas práticas agrícolas realizadas pelo cafeicultor. Pelo projeto Conilon Especial, são analisadas todas as etapas da produção. O objetivo é melhorar a qualidade e também a responsabilidade ambiental e social da cadeia produtiva. Os ganhos são muitos para quem produz e para quem consome. “Quando você faz um processo bem-feito, o conilon tem muito mais nuances de sabor e aroma, e o cliente certamente paga mais por isso”, afirma o diretor Adelino Thomazini.